Translate

Thursday, October 3, 2013

BIOGRAFIA: GÓGOL, Nicolay Vasilievich (1809-1852). Ucraniano.


 

BIOGRAFIA: GÓGOL, Nicolay Vasilievich (1809-1852).

 
O escritor Gógol nasceu na província de Sorotchintsi, na região de Poltava (Ucrânia). Seu pai foi um pequeno proprietário de terras, que mantinha uma centena de servos; sua mãe, Maria Ivanovna, foi profundamente religiosa e incutiu nos filhos valores morais e sentimentos cristãos. Gógol cresceu sob forte influência das personalidades marcantes dos pais; no ambiente rural em que o menino cresceu, desde cedo ele escutou as narrativas populares russas e as canções folclóricas cantadas pelos servos de sua família. Na sua infância e adolescência Gógol visitou as feiras regionais e, posteriormente, o menino relatou ouvir vozes. Essa demonstração de sensibilidade extremada, na ocasião não parecia prenúncio auspicioso para sua vida, logo marcada por tragédia. Junto com seu irmão, Ivan, Gógol foi estudar no Liceu (Poltava, 1820); durante as férias de verão Ivan morreu. A morte prematura do irmão afetou Gógol profundamente.
 
No ano seguinte o franzino Gógol, aos 12 anos de idade, foi estudar em outra cidade (Niejin): o adolescente tornou-se fechado, taciturno e não fez amizades na escola porque não falava com ninguém. Na época ele recebeu dos colegas o apelido de anão enigmático. Gógol passou a demonstrar profundo medo da morte, que acompanhou-o durante toda sua vida. O pai do futuro escritor escreveu várias comédias, encenadas nos teatros regionais ucranianos; ele faleceu (1825). Gógol passou a alimentar o desejo de ser ator, desde que, com a aprovação de seus colegas, interpretou alguns papéis em espetáculos teatrais no liceu. O futuro escritor escolheu viver em São Petersburgo, onde viviam o Czar e a nobreza russa e, finalmente conseguiu dividir com um amigo o quartinho miserável que alugou. Para sustentar-se Gógol precisou submeter-se ao trabalho subalterno de escriturário; sua mãe ajudou-o, enviando-lhe algum dinheiro que complementava as despesas da vida muito simples. Gógol não se sentia muito bem com isto, pois desejava livrar a mãe da preocupação de sua despesa mensal, fato que encontra-se documentado nas suas cartas para casa.
 
Aos 20 anos de idade Gógol publicou o poema Hans Kushelgarten sob o pseudônimo de V. Alov (1929). Esse livro mostrou a influência que o autor recebeu da leitura dos clássicos alemães, principalmente das obras de Goethe, e dos escritores russos contemporâneos como Alexandre Pushkin (1799-1837). A crítica literária considerou medíocre este primeiro livro de Gógol.No ano seguinte Gógol publicou alguns contos na revista Letras Patrióticas: nas suas cartas para casa, ele pedia frequentemente a mãe para recolher e enviar-lhe histórias das tradições orais ucranianas. Na época o autor ensaiou sua primeira comédia, que ele não terminou e que deveria chamar-se A Ordem de São Vladimir, Terceira Classe (1830). Gógol temeu a censura: alguns fragmentos deste texto foram absorvidos nas suas peças de um ato, A Ante-Sala dos Lacaios e O Pleito. A verdadeira estréia literária do autor ocorreu com a publicação do livro de contos Noite de São João (1831). A linguagem pitoresca que Gógol empregou nos relatos baseados nas lendas ucranianas, encantou o público; no mesmo ano ele publicou outro livro de contos, Noites na Fazenda perto de Dikanak. Este livro causou forte impressão nos seus primeiros leitores, os gráficos da oficina que imprimiram-no, o que mereceu de seu primeiro editor o comentário:
 
[…] os pequenos contos que o senhor nos enviou são muito engraçados e divertiram loucamente os gráficos. Deduzi daí que o senhor era um escritor perfeitamente em conformidade com os gostos da plebe […].

 
Gógol viajou de volta à terra natal para visitar a mãe e recolher material que servisse para escrever seus próximos livros. O autor passou por Moscou onde conheceu escritores como Sergey Aksakov e o historiador Pogodin, entre outras personalidades da época como o comediante Stchepkin (1832). Quando Gógol voltou a S. Petersburgo, ele estava acompanhado de suas irmãs que foram estudar no Instituto das Jovens. Gógol continuou escrevendo muito e preparou duas coletâneas de textos: Mirgorod e Arabescos [Arabeski] publicadas poucos anos depois (1835). O segundo livro citado foi compilação de ensaios, parte deles voltada para problemas estéticos como Sobre Arquitetura [Ob arkhitekture], Escultura, Pintura, Música [Skul’ptura, zhivopis’, muzyka], e Os Últimos Dias de Pompéia [Poslednii den’ Pompei]. Outra temática voltou-se para o ensino universitário de Gógol: Sobre a Idade Média [O srednikh vekakh], quando o escritor colocou em dúvida os pensadores ingleses, que consideravam a Idade Média período primitivo; e os românticos, idealizadores, no ensaio A Visão na Formação da Pequena Rússia [Vzgliad na sostavlenie Malorossii], e Sobre Pequenas Canções Russas [O Malorossiiskikh pesniakh], ensaios nos quais Gógol revelou seu profundo interêsse no folclore, tradições, história e cultura nacional Ucraniana.

Oescritor conseguiu ser nomeado professor adjunto de História, na Universidade de São Petersburgo, onde ele tornou-se mestre do futuro escritor Ivan Turgenev (1818-1883). Nos anos 1832-1837 Gógol escreveu várias peças teatrais, como Os Jogadores, Manhã de Um Oficial e O Casamento, mas nenhuma foi encenada antes do começo da década de 1840. O autor publicou as peças escritas anteriormente com o texto revisado, além de escrever outra peça, A Saída do Teatro (1842). No entanto, como seus contos passaram a fazer sucesso, especialmente o hoje internacionalmente conhecido Diário de Um louco; abriu-se para o autor a possibilidade da independência financeira, que levou-o a demitir-se do modesto cargo público que ocupava. O conto de sucesso foi adaptado para o teatro francês por Silvie Luneau e Roger Coggio; e, no teatro brasileiro o grande ator Rubem Corrêa interpretou o papel do funcionário público Propistchin nessa peça dirigida por Ivan Albuquerque (1964). A que tornou-se a mais conhecida peça de Gógol provocou grande escândalo quando estreou: O Inspetor Geral [Revizor], no Teatro Alexandre (São Petersburgo, 19 abril, 1836). O texto de Gógol destacou como personagem principal Ivan A. Khlestakov, modesto funcionário governamental corrupto que aproveitou-se da situação quando foi confundido com o dito, Inspetor Geral. O tema foi-lhe sugerido por A. Pushkin, que aconselhou o novato dedicar-se a escrever para o teatro, abordando a vida cotidiana dos russos. Nessa espécie de comédia de erros voltada para as coisas simples do dia a dia do povo, tudo partia de um equívoco, somente desfeito no final. Essa comédia realista incorporou-se imediatamente ao teatro russo como crítica de costumes, sátira bem urdida de crítica social e política. No decorrer do século XX O Inspetor Geral, tornou-se um dos clássicos do teatro russo e foi encenada inúmeras vezes: com cenários de Ilya J. Slepianov (1900-1950), a comédia foi levada ao palco do GOSTIM/ Teatro Estatal Meyerhold, sob a direção de Vsevolod Meyerhold (1926); com adaptação de I. G. Terentev, que introduziu outro personagem na história original, foi encenada com cenários de Revekha Mikailovna Levitan (1906-1987), Artur M. Landsberg e Nicolay I. Evgrafov, do Grupo (Soviético dos) Mestres da Arte Analítica (MAA, 1923-1932) liderado por Pavel Filonov (1882-1941), no Teatro da Casa da Gravura (Leningrado, 1927). A peça foi encenada no Grande Teatro Dramático de Leningrado; no Teatro Popular Ivan Vasov e no Teatro Estatal de Sófia (Bulgária). Nos palcos ingleses, o papel principal do Inspetor Geral foi representado por Paul Scofield; e, nos palcos brasileiros, encenada sob a direção de Augusto Boal apresentou Gianfrancesco Guarnieri como Khlestakov, Fauzi Arap como o Governador e Miriam Muniz como Anna Andreievna, no Teatro de Arena (São Paulo, 1966). Na década de 1970, o artista multimídia Jô Soares (José Eugênio Soares, 1938-) fez o papel do oportunista Inspetor Geral na comédia televisada, entre várias outras representações internacionais. A peça foi tema de filme que adaptou livremente seu argumento: o papel principal foi de Danny Kaye, dirigido por Henry Koster (1949). Devido a crítica ácida que permeava a peça, Gógol foi acusado de investir contra o governo, de tentar solapar o regime e de atacar os funcionários públicos. Quase que o autor foi censurado, mas o Czar Nicolau II viu a peça e divertiu-se muito, permitindo que continuasse a ser encenada. Devido a avalanche de críticas negativas que a peça recebeu, Gógol sentiu-se injustiçado: ele viajou e passou prolongada temporada na Alemanha, para onde levou seu romance Almas Mortas, que começara a escrever. Nesse período Gógol escreveu dois de seus melhores e mais conhecidos contos: O Nariz (1835) e O Capote (1842). Estes contos inscreveram Gógol entre os mais destacados autores da literatura internacional: o segundo conto influenciou enormente vários escritores seus contemporâneos, tanto que provocou a declaração de Ivan Turgenev:
[…] Todos nós descendemos de O Capote, de Gógol.[…].

 
Este conto, traduzido por T. Booker Washinghton, foi publicado no livro Maravilhas do Conto Russo (São Paulo: Ed. Cultrix Ltda, 1957).
 
Gógol viajou através da Europa: foi a Alemanha várias vezes e passou a primavera em Roma (1939). No mesmo ano o autor voltou a Rússia, onde leu para seus amigos os primeiros capítulos de Almas Mortas. Na ocasião Gógol recebeu a trágica notícia que seu principal conselheiro, o escritor Alexandre Pushkin, tinha morrido em duelo (1837). Gógol ficou desesperado: ele queria voltar para a Itália, mas encontrava-se sem recursos, quando seus amigos organizaram coleta que angariou a quantia de 4000 rublos, que permitiram a Gógol voltar a viver em Roma (1840-). Chegando na capital italiana Gógol mergulhou em profunda depressão e foi nesta condição que seu amigo, considerado o maior poeta russo na primeira metade do século XIX, Vasily Zhukovsky (1783-1852), encontrou-o. Durante meses Gógol permaneceu inativo, pois passou a acreditar que, sem os conselhos de Pushkin, não conseguiria escrever uma linha sequer. Outro amigo foi Pavel Annenkov (1813-1887), renomado crítico de arte, que visitou-o na ocasião: todos tentaram animar o escritor e conseguiram reergue-lo. Gógol voltou a escrever. No outono seguinte o escritor viajou de volta a Moscou e São Petersburgo com a primeira parte completa do romance Almas Mortas (ago., 1841). Gógol leu estes capítulos iniciais para seus amigos intelectuais, pertencentes aos círculos literários russos, que o autor frequentava: no entanto a censura reteve o manuscrito, que foi liberado somente depois de apelo ao Czar. O livro recebeu seu novo nome: As Aventuras de Tchitchikov, com o qual foi publicado no ano seguinte (1842).

 
Gógol voltou a viver em Roma, onde dedicou-se a escrever a segunda parte do romance Almas Mortas, sendo que a primeira parte acabou convertendo-se no retrato realista da tragédia da Rússia Imperial. Ainda vigorava o regime da dita, Servidão, que escravizava os camponeses russos; os servos eram chamados de almas e encontravam-se incluídos na relação de bens dos senhores proprietários de terras. O sistema de impostos rezava que, quanto mais servos houvessem, menos impostos seriam pagos; assim sendo, as almas mortas continuavam constando das listagens que anualmente relacionavam os vivos, visando diminuir o valor do imposto a pagar. O tema havia sido sugerido por A. Pushkin a Gógol, que converteu-o no seu romance realista, descrevendo todo o contexto da miséria e desencanto dessa parcela da população do país. Na época da publicação do romance Gógol foi seriamente atacado, devido ao tema polêmico que abraçou; o autor tentou justificar-se de vários modos e publicou os seus Extratos de Uma Correspondência (1847), contendo textos de cartas, tanto de amigos verdadeiros como de pessoas imaginárias, com os quais ele discutiu suas posições. Este novo livro marcou grande mal-estar nos círculos intelectuais; Gógol viu-se acuado por avalanche de críticas, que afinal levaram-no à fase pessoal de grande desencanto. O autor acabou queimando a segunda parte do manuscrito Almas Mortas, a qual dedicara cinco anos de trabalho.

O autor colocou-se sobre a esfera de influência do padre fanático Matvey Konstantinovsky, que acabou por dominar totalmente a personalidade impressionável de Gogol (1848). Durante o período de poucos anos o padre incutiu no escritor idéias que negavam sua arte e vida, essências de ser artista, criador como Gógol. O escritor passou a desejar a morte, subjugado por medo doentio do inferno. Gógol encontrava-se hospedado na residência do Conde Alexys Tolstoi (1817-1973), quando mergulhou em profunda depressão e recusou-se a comer e a tomar remédios. O escritor, poeta e dramaturgo russo veio a falecer (21 de fev., 1852). O autor foi homenageado com a Mostra N. V. Gógol (Moscou, 1984).
 
 

REFERÊNCIAS SELECIONADAS

 
 
CATÁLOGO. ATTI, F. C. degli; FERRETTI, Daniela (Org.). Rusia, 1900-1930, L'Arte della Scenna. Milano: Galeria Electa. Moscou: Museu Bachrusín, 1990, pp. 206, 214.


 
GÓGOL, N. V. O Inspetor Geral. Comédia em cinco atos. Tradução de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1976, pp. I-XXIII.

 

No comments: